segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

“O primeiro-ministro e o Ministério mentem”

O ano de 2008 foi marcado pela contestaçao dos professores. Em 2009 os protestos dos docentes continuam a fazer-se ouvir. A Fenprof (Federação Nacional dos Professores) recusa-se a baixar os braços e promete não dar tréguas ao ministério tutelado por Maria de Lurdes Rodrigues. No horizonte surgem as primeiras brechas na Plataforma de sindicatos a propósito dos escalões profissionais e depois da ultima proposta ministerial discutida esta semana com a Fenprof e com a FNE.O estatuto da carreira docente e em especial o modelo de avaliação marcaram os protestos dos professores e obrigaram o governo a recuar em pilares tidos como fundamentais, simplificando esse mesmo processo. No programa Primeiro Plano da Antena Minho/Rádio de Braga esteve Júlia Vale, membro do secretariado e do conselho nacional da Fenprof e dirigente do Sindicato dos Professores do Norte. Entrevistada pelos jornalistas Paula Maia do Correio do Minho e Rui Alberto Sequeira da Antena Minho, a dirigente sindical fez o ponto da situação sobre o actual momento da educação no país.

Rui A.Sequeira - No braço de ferro entre governo e sindicatos de professores, o ministério transformou gradualmente o processo de avaliação num 'simplex'. Ao transportarem o conflito com a ministra para um ano eleitoral pode-se dizer que os professores saem vencedores?

Júlia Vale - É um facto que o ministério da educação não conseguiu até ao momento implementar o modelo de avaliação de desempenho que tentaram aplicar desde o ano lectivo anterior. A legislação estava publicada desde Janeiro de 2008. As duas grandes manifestações, as greves e a luta dos professores - perante um modelo do ministério que não tem preocupação pedagógica e não tem por objectivo o sucesso educativo - foi determinante.

Paula Maia - Mas foi uma estratégia sindical fazer arrastar o processo até este ano de eleições?

JV -Quem arrastou foi o ministério; cego surdo e mudo ao querer implementar um modelo que não resulta. Convém que fique claro que a simplificação feita pelo governo é só para vigorar até ao final deste ano lectivo. Depois em Setembro regressa novamente ao modelo original. Ora isso não pode suceder. Vamos lutar pela aplicação de um regime transitório como sucedeu nos Açores até que se negoceie um modelo definitivo

PM- Qual é a sanção que os professores podem sofrer por não entregarem os objectivos individuais?

JV- Entendemos que nenhuma. A entrega dos objectivos individuais não é referida como obrigatória na legislação que sustenta a avaliação de desempenho. A única situação que está expressa na lei; nos artigos 11º,15ª e 16º é a que tem a ver com

a auto-avaliação que aliás se encontra no estatuto como sendo obrigação do docente.

RAS- Mas não há, ainda assim, um desrespeito pela lei?

JV- Poderemos considerar uma desobediência assumida pelos docentes perante a tentativa de imposição de uma legislação que não é aceite nas escolas.

RAS- O governo entende como sendo um requisito obrigatório…

JV- Uma vez que não está na lei, a questão é simples: que sanção é que o professor pode ter por não entregar os objectivos individuais? Não é por acaso que o ME quando se referiu a esta questão disse que o professor era obrigado a entregar a sua auto avaliação.

PM- Em entrevista ao Correio do Minho, a Directora Regional de Educação do Norte falava sobre este assunto , dizendo que não há qualquer processo disciplinar, simplesmente o professore não progride na carreira

JV- Isso não é uma sanção mas sim uma consequência por não entregar os objectivos individuais.

RAS -Há uma continuada resistência dos professores, educadores ao modelo de avaliação e mais a favor de métodos mitigados, segundo os interesses da classe?

JV- Não é assim ! Aquilo que tem sido dito é que não existia um modelo de avaliação de desempenho e que os professores recusam ser avaliados. O primeiro-ministro e o ministério da educação (ME) mentem.

PM- O que existia até agora era uma auto-avaliação...?

JV- Vamos ver..! O que existia era um modelo de avaliação dividido em três momentos: um relatório critico feito pelo docente sobre o desempenho da actividade relativo á permanência no escalão; acções de formação e a menção ,obrigatória, de satisfaz para que se desse a progressão. Admitimos que esta não seria a solução ideal.

RAS - Os sindicatos até á alteração da lei estavam acomodados?

JV- Se aquele modelo já não servia para o sistema educativo, tinha de se pôr o assunto em cima da mesa, discutindo-o mas nunca pondo de lado a preocupação pedagógica, aplicando isso sim, um modelo que se centre na actividade do docente e dos educadores melhorando a sua pratica com o objectivo final que é o sucesso educativo dos alunos.

PM- Os professores devem ser avaliados por um entidade externa á escola ou por outros professores?

JV- Os profess ores devem ser avaliados por quem conhece o seu trabalho.

RAS- Neste caso, quem será mais indicado para o fazer?

JV- Os colegas do departamento a que pertence o docente, colegas do pedagógico e o Conselho Executivo também terá uma palavra a dizer. É impensável vir alguém de fora fazer uma avaliação sobre um trabalho que desconhece.

PM- Neste processo de negociação com o ministério, os sindicatos de professores não apresentaram uma alternativa ao modelo adoptado pela tutela ?

JV- Mais uma falsidade que o governo fez passar para a opinião pública. Esta luta tem sido desenvolvida não apenas pela Fenprof mas por uma plataforma que uniu sindicatos com perspectivas diferentes. Nunca tinha acontecido uma união assim...

PM-O processo de avaliação de desempenho é a reforma que mais mudanças trouxe para as escolas nos ultimos anos?

JV- Pela negativa. Os professores deixaram de ter tempo para ensinar nas melhores condições.

PM- Defendem uma suspensão do actual modelo. O que se segue depois?

JV- Queremos uma verdadeira negociação.

PM-O que é que pretendem negociar?

JV- ...Queremos encontrar um modelo de avaliação. A Plataforma de Sindicatos apresentou ao ME; em tempo útil; uma série de princípios em relação ao que deve ser tido em conta na avaliação de desempenho. A Fenprof fez chegar ás escolas no passado dia oito de Outubro, uma proposta de avaliação acompanhada de uma outra relacionada com a estrutura da carreira.

RAS -Essas propostas não vieram tarde tendo em conta que este modelo de avaliação já estava desenhado desde o início do anterior ano lectivo?

JV - Tentámos em sede de negociação alterar a proposta do ME. Infelizmente o ministério foi autista, prepotente, arrogante e não quis negociar com base nas nossas propostas e nas de outros sindicatos. Existe uma lógica economicista associada a este processo de desempenho e que não podemos separar do Estatuto da Carreira Docente.
Há uma divisão da carreira que nunca aconteceu e ainda por cima feita de forma arbitrária e sem lógica

RAS - Porquê economicista?

JV-.Porque o único objectivo é impedir que professores e educadores cheguem ao topo da carreira .É de uma incongruência total.

RAS- Os sindicatos não interpretam como sendo um critério de selecção do ME para premiar os bons professores?

JV- Não é. No anterior estatuto já existia a possibilidade de fazer esta diferenciação atribuindo classificações de 'Muito Bom' e 'Excelente' , só que nunca houve uma regulamentação apesar da insistência da Fenprof.
A criação da carreira de professor e de professor titular veio criar conflitualidade nas escolas por causa das regras do concurso para titular.
Na nossa perspectiva, os professores têm de ter uma carreira única.

PM- Então como é que se diferencia quem tem qualidade e quem não tem?

JV- Regulamentando as matérias que estavam no anterior Estatuto da Carreira Docente. Não obstaculizando a progressão dos professores que é o que sucede com o actual estatuto.

PM -Os professores não gostam de divisões entre a classe nem de ser distinguidos entre bons e menos bons?

JV- Entendemos que não faz sentido na nossa profissão existirem duas carreiras distintas. O professor seja titular ou não, tem como função principal ensinar. Dar aulas.

PM -Mas concorda que nem todos os docentes têm condições para chegar ao topo da carreira?

JV- Não têm ; mas devem existir as condições para que o docente o possa atingir. Não podem ser impedidos por medidas administrativas como acontece agora com a divisão em titular e não titular. Professores que neste momento são titulares reconhecem que não têm apetência para certas funções, enquanto outros que o não são, apresentavam competências para serem titulares

RAS- Como é que a Fenprof analisa esta nova proposta do ME de criar um sétimo escalão na carreira de professor e um novo escalão na de professor titular. Daqui se conclui também que o ministério não parece querer abrir mão das duas carreiras.

JV- Nós também não abdicamos da nossa posição. A questão da não divisão da carreira é para nós fundamental. Uma das coisas que defendemos é a existência de um escalão que permita o acesso de todos os professores e não apenas para aqueles que já estão no topo. A maior parte dos docentes está nos índices intermédios.

PM- Qual vai ser a posição no futuro dos sindicatos e da Fenprof em concreto?

JV- Vamos continuar a lutar para que seja reconhecida a especificidade desta actividade profissional e contra a incongruência das duas carreiras. A contestação vai continuar na rua contra as politicas educativas como é o caso do novo modelo de gestão, a figura do director que remetem a escola para uma lógica empresarial subordinada e economicista.

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