quinta-feira, 30 de abril de 2009

PISA: UM CASO EXEMPLAR DE MANIPULAÇÃO

O texto que se segue, escrito por dois membros da Direcção da APEDE, ilustra bem a forma como o Ministério da Educação pode criar condições para distorcer os dados relativos ao sucesso dos nossos alunos em contextos de comparação internacional, como o PISA, se isso lhe proporcionar uma base para denegrir os professores portugueses junto da opinião pública.

Para uma reflexão da Escola Pública

Este texto pretende contribuir para a reflexão acerca de uma escola pública, profundamente norteada por directrizes da comunidade europeia. Será que estas directrizes servem a escola pública portuguesa no estádio em que ela se encontra?
Uma escola de Sintra, do ensino básico, foi seleccionada para aplicar o teste PISA-2009, que visa testar a literacia em leitura dos alunos portugueses. Este estudo como se sabe é um estudo a nível internacional. Como nos consideramos uma escola que tudo tem feito para a melhoria das práticas lectivas e para o enriquecimento dos conhecimentos dos nossos alunos, achámos interessante aderir, até porque seria também um teste ao nosso trabalho enquanto docentes. Para além disso, pareceu-nos que poderia ser uma base para futuras reflexões de melhoria das nossas estratégias pedagógicas. Somos uma escola em que, dentro das dificuldades sentidas pelas falta de condições de trabalho, tentamos o nosso melhor e não temos medo de nos questionar para melhorar e progredir no nosso trabalho.
Foi então que as regras de selecção dos alunos nos chegaram e apercebemo-nos de que a selecção incidia em jovens que nasceram entre 1 de Fevereiro de 1993 e 31 de Janeiro de 1994, o que numa escola de ensino básico corresponde aos alunos com um percurso escolar de insucesso. Resolvemos então reunir os directores de turma dos alunos envolvidos e organizámos uma reunião para esclarecer os colegas sobre este processo.
Após a tomada de conhecimento dos nomes constantes na lista dos alunos seleccionados, os directores de turma presentes manifestaram um profundo desagrado relativamente à escolha dos mesmos, por considerarem que uma tal amostragem não seria representativa da realidade da nossa escola.
Rapidamente se inferiu que os alunos seleccionados correspondiam, no essencial, aos que possuem um percurso escolar de maior insucesso. Analisada a sua listagem, concluiu-se que dos quarenta alunos seleccionados apenas 20% eram alunos de sucesso escolar médio, sendo os restantes 80% alunos com aproveitamento e percurso escolar mais fraco e problemático. Os directores de turma constataram ainda que a maioria dos alunos seleccionados apresentam problemas graves de aprendizagem, ao nível da leitura e da escrita, e que a maioria tem planos de acompanhamento ou planos de recuperação, havendo ainda um número considerável de alunos a frequentar os cursos de vertente profissionalizante. Feita esta análise, todos concordaram que a aplicação do PISA não deve ser realizada no ensino básico e que ela só fará sentido no ensino secundário, onde a amostragem poderá ser mais heterogénea e fiável face aos verdadeiros conhecimentos dos alunos portugueses.
Decidimos então contactar o responsável do GAVE, para saber se a referida aplicação é obrigatória e se haveria alguma forma de corrigir os erros apontados, nomeadamente quanto aos critérios de selecção da amostra, uma vez que, a não haver correcção, todos os envolvidos punham em causa a credibilidade deste estudo. O que nos preocupou principalmente foi o facto de, pela primeira vez, o Ministério querer associar a esta aplicação um resultado por escola. Imediatamente imaginámos o pior. Dados de tal forma distorcidos só poderiam dar uma visão completamente deturpada da realidade da nossa escola. De resto, sabemos bem como essa manipulação de dados sobre a educação tem sido utilizada por esta equipa ministerial enquanto arma de arremesso contra o trabalho dos professores portugueses. Basta aqui lembrar a tristemente célebre afirmação da Ministra da Educação: “a culpa do insucesso escolar dos alunos é dos professores”.
Após esse contacto, o director do GAVE concordou com todas as preocupações por nós sentidas e decidiu que a aplicação não se iria realizar na nossa escola. No entanto, consideramos que a exposição desta situação deve ser feita, dando-se conhecimento aos professores e à sociedade civil em geral, até porque esta aplicação do PISA vai continuar a realizar-se em escolas básicas.
Não temos dúvidas de que muito há a fazer para melhorar a escola pública e para diminuir o insucesso e o abandono escolar e não pomos em causa a bondade destes estudos. Só não queremos que estes estudos internacionais possam ser utilizados para continuar a pôr em causa o trabalho dos professores portugueses. Convém recordar que, noutros países da Europa, os alunos desta faixa etária, dada a forma como o plano de estudos está aí estruturado, já estarão inseridos no ensino secundário e que, portanto, os resultados nos exames do PISA serão inevitavelmente diferentes.


Mª Cristina Didelet
Coordenadora do Departamento de Línguas
Membro da Direcção da APEDE

Ricardo Jorge Silva
Professor do Departamento de CSH e DT
Membro da Direcção da APEDE

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