segunda-feira, 28 de setembro de 2009

CENÁRIO PÓS-ELEITORAL: A LEITURA DE MÁRIO MACHAQUEIRO


O PS de Sócrates perdeu a maioria absoluta.

Isto significa que o tempo de uma governação autista e arrogante passou, e que vai ser necessário a Sócrates iniciar o caminho da negociação e do diálogo - algo que é contrário à sua natureza profunda, e que coloca sob o signo da incógnita o exercício do poder nos tempos que agora se abriram.

Se nos permitem um pouquinho de análise política, o único partido que pode genuinamente cantar vitória, neste momento, é o CDS-PP, pois, excluindo o PSD, só com ele o PS consegue formar uma maioria absoluta de deputados no parlamento. Nesse sentido, a subida significativa do BE é uma meia-vitória com o sabor de meia-derrota.

Por conseguinte, se não surgir o cenário mais do que improvável de uma promiscuidade "central" entre o PS e o PSD - cenário que, na verdade, não interessa a qualquer um desses partidos -, cabe ao CDS-PP a tarefa de marcar politicamente o terreno ao PS. A menos que haja uma inflexão de 180º na política do PS e que este seja capaz de formar alianças pontuais com o BE e a CDU. Mas, com Sócrates e o seus apaniguados na liderança do PS, tal só parece possível para decisões tão "relevantes" como a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo. O resto, que é imenso - a revogação do actual Código do Trabalho, a manutenção dos vínculos para os funcionários públicos, o combate efectivo à corrupção, uma recuperação da economia em articulação com políticas redistributivas -, vai continuar adiado ou estará entregue a uma agenda dominada por orientações essencialmente conservadoras. A Oeste nada de novo, portanto. E isso é mau, muito mau.

No meio disto tudo, que resta aos professores? Há que reconhecer que os resultados eleitorais deste dia 27 não abalaram significativamente as piores políticas da 5 de Outubro. Francisco Louçã embandeirou em arco com o afastamento quase inevitável de Maria de Lurdes Rodrigues. Disse o que lhe competia, até porque grande parte da subida eleitoral do BE se deve ao voto dos professores, e ele sabe-o. Mas a substituição da ministra por uma figura meiguinha, que consiga fazer passar as agressões aos professores com um arzinho "soft" e que, paulatinamente, transforme a divisão da carreira e a nova gestão escolar em factos consumados, não representa uma boa notícia para a classe docente. A ascensão anunciada de uma Isabel Alçada para a pasta da Educação, com um perfil mais "simpático", está muito longe de ser uma vitória para os professores. Se o essencial das políticas se mantiver e se o pessoal embarcar no canto da nova sereia ministerial, tudo estará perdido. E acreditem: ESTE TUDO É MUITO! Mas que dizer quando até o nosso amigo Ramiro Marques se confessa incapaz de resistir ao charme discreto da senhora Isabel?...

Claro está que um novo governo "dialogante" vai deixar cair o modelo de avaliação do desempenho, esse furúnculo no qual todos nós, professores, concentrámos excessivamente a nossa atenção, negligenciando dimensões muito mais estruturais (como a divisão da carreira) e, por isso, muito mais perniciosas. Deixar cair o modelo de avaliação é relativamente fácil para o PS. Na verdade, a sua imposição resultou apenas de um misto entre a proverbial teimosia de Sócrates e a noção de que as sondagens - esse novo barómetro da governação - aconselhavam a não ceder aos professores. Mas, de facto, o modelo de avaliação até já caiu: o "simplex" aniquilou-o.

Entretanto, o resto, que é o essencial, permanece de pé.
Continuamos a ter esta diferenciação espúria entre titulares e não titulares.
Continuamos a ter directores tendencialmente arbitrários e despóticos.
Continuamos a ter milhares de professores contratados numa situação de total precariedade.

E é aí, em todos esses pontos, que a luta dos professores se deverá concentrar no futuro próximo.

Terão os professores a lucidez e a clarividência política para não cederem na luta pelo essencial, aqui e agora, perante um PS forçado, doravante, a negociar cada medida governativa?

Saberão os professores manter-se firmes, começando, desde já, por REJEITAR INEQUIVOCAMENTE O NOVO CONCURSO PARA PROFESSORES TITULARES?

Mais uma vez, os tempos não se adivinham fáceis. O que vem aí exige uma grande determinação e uma não menor coerência.


Pequena nota de rodapé para um partido que se arrisca a reduzir-se a uma organização de rodapé: Após a aparente recuperação nas eleições europeias, o PSD continua a rota descendente a caminho da irrelevância política. Pode continuar a ser o segundo partido mais votado, mas pesa cada vez menos nas decisões políticas e nas próprias configurações eleitorais (basta pensar que, nestas eleições legislativas, o PSD em quase nada contribuiu para retirar a maioria absoluta ao PS). As próximas noites do PSD vão ser de «facas longas» (já as ouvimos a ser afiadas). E, de facada em facada, o PSD vai-se afundando um pouco mais...


Outra nota de rodapé (com vários destinatários): Infelizmente, ainda houve muito professor a votar no PS. Há pessoas para quem o masoquismo não é apenas uma perversão: é mesmo uma forma de vida.

4 comentários:

Lúcio disse...

Excelente análise!
Só uma correcção, Mário: o casamento "entre homossexuais", que se saiba, nunca esteve impedido; para casar é irrelevante (a constituição não o permite, e ainda bem!) ser homossexual, heterosexual, gostar de pernas de rã ou só ter orgasmos em noites de lua cheia. Quererias dizer casamento "entre indivíduos do mesmo sexo", que é semânticamente muito diferente - e neutro, como convém.

Mário Machaqueiro disse...

Ok, Lúcio. Percebo a subtileza semântica, e já corrigi. Obrigado.

Anónimo disse...

Concordo inteiramente com o artigo em questão! É pena não haver mais pessoas como tu e o Ricardo. Eu próprio faço mea culpa, embora não tenha votado PS.

Ricardo Silva disse...

Caro Amigo (e colega de escola) Bettencourt,

Deixo-te aqui uma palavra de reconhecimento pela tua entrega e perseverança na luta. Desde a primeira hora, soubeste sempre dizer presente. Vamos continuar a lutar, agora é que não podemos mesmo ceder ou desistir. Tu sabes bem como foi difícil dar a volta ao texto e mudar aquela escola que era um ninho de adesivagem! Vamos mesmo vencer esta luta!

FORÇA!

Abraço

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