terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Mais papistas…

Não posso começar esta crónica sem uma saudação muito especial aos mais de cem mil professores que ontem estiveram em greve. Duas paralisações na casa dos 90%, no espaço de um mês e meio, é um facto sem paralelo no sindicalismo português, antes ou depois do 25 de Abril. A actual luta dos professores constitui aliás um movimento social inédito no nosso país, que extravasa muito as fronteiras do sindicalismo. Desde logo porque nasceu nas próprias escolas, como resposta genuína à prepotência e ao autoritarismo da equipa ministerial teimosamente apoiada por José Sócrates. A contestação generalizada a este modelo de avaliação anti-pedagógico surpreendeu os próprios sindicatos que assinaram o polémico Acordo com o ME, em Abril de 2008.

Mas as causas e consequências dos protestos dos professores vão muito para além da avaliação, do estatuto que separou artificialmente a carreira entre titulares e não-titulares e dum modelo de gestão anti-democrático que pretende, de algum modo, restaurar a bafienta figura do "senhor reitor". A luta não ficou confinada nas escolas, ganhou o espaço público e protagonizou, em pouco mais de meio ano, duas das maiores manifestações de sempre em Portugal, com 100 e 120 mil participantes, seguramente as únicas que conseguiram trazer à rua a maioria qualificadíssima de uma só classe profissional. Tudo isto apesar da chantagem, das ameaças e dos cantos de sereia. É obra!

As repercussões sociais e políticas deste movimento ainda nos escapam. Mas, justamente por ele se situar no coração do sistema educativo, por ter envolvido pais, alunos e toda a sociedade, o mínimo que se pode dizer é que estamos a assistir a uma aula magistral de educação cívica. Os direitos e a dignidade profissional dos professores não cederam a ameaças nem estão à venda perante recuos "simplex" que apenas confirmam a falta credibilidade de um modelo de avaliação mal copiado de paragens longínquas e que já nem é levado a sério pelos seus promotores.

Perante esta afirmação de dignidade profissional e cívica de que se orgulha legitimamente a classe docente, destoa o clima de intimidação e as pressões intoleráveis exercidas sobre os professores de duas escolas da cidade de Beja – a Mário Beirão e a D. Manuel I – por sinal, tive o gosto de ser professor, delegado e dirigente sindical nestas duas escolas, na já longínqua década de 80. Não posso pois calar a indignação perante o que se tem passado, em particular na Secundária D. Manuel I, a nossa velhinha Escola Industrial e Comercial de Beja.

Mais de 90 dos 114 professores desta Escola pediram, no final do primeiro período lectivo, a suspensão de avaliação, depois da greve a que aderiram cerca de 80 docentes. Já em Janeiro, na sequência do Dia de Reflexão, mais de 70 subscritores solicitaram a convocação de uma Reunião Geral de Professores, ao abrigo do Artigo 497 da Lei 99/2003 – vulgo Código do Trabalho. Espantosa foi a reacção dos órgãos de gestão da Escola: esta reunião seria ilegal à face a um regulamento recentemente imposto à função pública – como se os funcionários do Estado pudessem ver os seus direitos diminuídos face à lei geral e, sobretudo, face á Constituição da República Portuguesa que consagra o direito de reunião no seu Artigo 45.

Pior: além de "não autorizar" uma reunião que apenas tinha de ser comunicada e nem carece de autorização, o órgão de gestão da Escola marcou ele próprio, para o mesmo dia e a mesma hora, uma reunião, com um ponto único: "Esclarecimento de dúvidas concretas em relação ao processo de avaliação de desempenho na forma simplificada". E impõe logo uma metodologia: "as questões serão respondidas por ordem de inscrição pelos elementos do CCAD, partindo-se do princípio que os docentes consultaram os sites do ministério relativos à legislação". Ou seja: temos uma sessão de explicações aos meninos que ainda não apreenderam a excelência deste modelo de avaliação! Às vezes dá-me uma saudade de voltar á Escola… Ah! E se me perguntarem quem é que me contou tudo isto, como agora está na moda, aprendi há muitos anos que não se fala, nem na PIDE.

Alberto Matos – Crónica semanal na Rádio Pax – 20/01/2009

1 comentário:

Anónimo disse...

Estou numa escola em que mais de 90% dos docentes assinaram um pedido de suspensão da avaliação, inclusive foi assinado por dois membros da CE e não foi tida em conta pela própria comissão Executiva, mesmo após aprovação pela Comissão de Avaliação interna. O engraçado nisto tudo é que um terceiro membro da CE é dirigente sindical (talvez seja o que não assinou) o que prefiguraria que em caso de votação no órgão não haveria lugar a voto de qualidade por parte do seu presidente. Este é um mundo estranho, muito estranho.

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