terça-feira, 7 de outubro de 2008

IDEIAS PARA A REUNIÃO DE 11-10-08


Nesta fase, parece-nos fundamental estabelecer um conjunto de ideias e princípios que, em nosso entender, deveriam nortear a luta dos professores ao longo deste ano lectivo:
• Se a luta contra o modelo de avaliação de professores aparece hoje como prioritária, ela não deve constituir o foco exclusivo do nosso combate. No passado ano lectivo, a maior parte dos nossos esforços, enquanto classe docente, esteve centrada na tentativa de impedir a concretização da avaliação do desempenho nos moldes que o Ministério quer impor. Foi, sem dúvida, a bandeira mais mobilizadora, por ser aquela que toca mais de perto os professores. Mas devemos estar conscientes de que ela é também a que mais facilmente suscita a acusação de os professores se mobilizarem apenas por interesse corporativo ou até mesmo por “medo de serem avaliados”. Consequentemente, a credibilização da nossa imagem passa por alargarmos o âmbito da contestação, até porque os factores de degradação do sistema de ensino e da nossa profissão são hoje inúmeros e multímodos, e precisamos de estar à altura da sua complexidade.
• A primeira denúncia que devemos fazer é a que incide na qualidade global do sistema de ensino e da oferta educativa, por ser a denúncia que pode desmontar mais incisivamente a enorme máquina de ilusões propagandísticas a que este governo reduziu a escola pública em Portugal. O Ministério da Educação tem vindo a multiplicar as formas de coerção legislativa sobre os professores, a par da “realidade virtual” que encena nos órgãos de comunicação com o objectivo de exibir um sucesso escolar fraudulento, meramente estatístico, sem a menor correspondência nas aprendizagens reais dos alunos. O ensino tornou-se a última fronteira da propaganda governativa, esgotadas e desmentidas que estão todas as outras promessas miríficas com que José Sócrates tem pretendido iludir este país. É, por isso, um combate político da maior importância denunciar, em todos os espaços comunicacionais a que tenhamos acesso, essa grande mentira que o governo quer impingir aos portugueses. E devemos fazê-lo em nome da responsabilidade dos professores para com um ensino de rigor e de qualidade, numa escola pública inclusiva mas exigente, sabendo que só na conjugação dessas duas condições o ensino em Portugal pode constituir uma ferramenta de promoção social, de combate às desigualdades e de progresso (um conceito em desuso que, nos tempos que correm, talvez importe reabilitar).
• A denúncia acima referida requer que lutemos por condições de trabalho condignas, requer que cada semana laboral dos professores deixe de ser sobrecarregada com horas e horas de reuniões, de preenchimento de papelada inútil e de tarefas burocráticas que nos roubam tempo e disponibilidade anímica para a preparação das aulas e para a actualização dos conhecimentos. Com a agravante de que as horas gastas nessas tarefas ocas e esgotantes forçam os professores a levar para casa boa parte do trabalho escolar, acabando assim por exaurir o pouco tempo livre que lhes resta e que devia ser dedicado às famílias (que eles também têm!) e ao lazer indispensável à sua sanidade mental. Os portugueses têm de saber que esse é, hoje, o quotidiano da grande maioria dos professores deste país. Isto significa que há mais vida contestatária para além da luta contra o modelo de avaliação do desempenho.
• O combate em prol da qualidade da nossa vida profissional é indissociável da luta, eminentemente cívica e política, pela democracia no interior das escolas e da resistência a todas as formas de poder discricionário, de coerção autoritária e de chantagem pelo medo que andam a impregnar boa parte dos nossos estabelecimentos de ensino. Os professores têm, actualmente, o dever de não admitir que novos tiranetes e bufos, colocados em órgãos executivos ou em cargos intermédios, instaurem relações de poder marcadas pelos piores tiques salazaristas. Se há lição a extrair de três décadas de democracia é a de que esta não pode parar à porta das escolas ou das empresas, nem ficar reduzida ao gesto mecânico e inócuo de depositar um voto numa urna de quatro em quatro anos.
• O combate por uma avaliação do desempenho justa e razoável deve ser inserida neste quadro mais vasto. E deve ser capaz de inscrever a resistência, não apenas no espaço público exterior à Escola, mas no interior de cada estabelecimento de ensino. E esse é o desafio mais exigente e mais difícil.
Neste momento em que os professores parecem estar a retomar o protesto, circulam várias ideias sobre como isso poderá ser concretizado. Dado que, para todos os efeitos, o tema da avaliação vai ser, de novo, um alvo especial de revolta e que o mesmo exige uma posição clara por parte dos movimentos de professores, iremos demorar-nos um pouco na discussão das referidas ideias. Assim, uns defendem que se deve assumir uma posição de rejeição do modelo de avaliação ao nível do grupo, do departamento ou da própria escola. Outros sugerem que se subvertam os limites arbitrários das quotas de Muito Bom e de Excelente, solicitando tais classificações em quantidade exponencial como forma de bloquear o processo interno de avaliação. Há também quem favoreça a ideia de todos os avaliandos apontarem objectivos iguais, com isso esvaziando o ritual imposto pelo Ministério. Há quem pense recusar o preenchimento do parâmetro referente aos resultados dos alunos na avaliação de desempenho. E, finalmente, diversas vozes defendem que a melhor maneira de fazer implodir o processo de avaliação será segui-lo à letra e cumpri-lo à risca, num labor cuja impossibilidade prática acabará por revelar, aos olhos de todos, a total inoperacionalidade do modelo e o seu carácter surreal. Sem prejuízo do facto de as escolas serem realidades muito heterogéneas, exigindo respostas ajustadas a cada caso, iremos discutir as várias propostas acima citadas, tentando com isso clarificar a nossa própria posição.
Começando pela última das sugestões, diremos que o cumprimento literal do modelo de avaliação enquanto estratégia para reduzi-lo ao absurdo (que ele é) constitui uma ideia compreensível se a compararmos com a tentação que hoje impera em muitas escolas: a de simplificar os procedimentos do modelo, de os aligeirar para que a carga de trabalho não seja tão obscena. É, aliás, nesse sentido que se orientam as recentes recomendações do Conselho Científico para a Avaliação de Professores (algo que, pelos vistos, não impediu a demissão/afastamento da sua Presidente). E, de facto, uma tal “simplificação” mais não seria do que uma maneira soft de fazer passar o modelo sem o beliscar no essencial. Mesmo assim, pensamos que a aposta contrária, insistindo no cumprimento integral de tudo o que implica o Decreto 2/2008, tem uma componente de tal modo sadomasoquista que dificilmente poderá representar uma forma eficaz de contestação ou de resistência – para além de desautorizar quem a pratica: como rejeitar coerentemente uma lei e, ao mesmo tempo, exigir que a mesma seja aplicada com todo o detalhe?
Semelhante incoerência afecta também as propostas de que todos os avaliados indiquem os mesmos objectivos ou reclamem para si as classificações de Muito Bom e Excelente. Ao usar tais recursos, os professores estarão a enquadrar a sua acção dentro dos limites definidos pelo sistema de avaliação que pretendem recusar, acabando assim por confirmar e por perpetuar a lógica que lhe é inerente. Assumindo essa atitude, os professores condenam-se a uma posição insustentável, porque autocontraditória.
Resta-nos, pois, a rejeição pura e simples do modelo de avaliação. Resta-nos a recusa em cumpri-lo – na totalidade ou em relação aos pontos que nos pareçam mais gravosos. Trata-se da via mais difícil, aquela que exige a coragem da desobediência. Uma coragem que, se tem uma concretização em cada indivíduo, requer necessariamente uma afirmação colectiva. Caso contrário, assistiremos ao martírio de dois ou três heróis por escola, que se arriscarão a processos disciplinares dos quais resultará apenas o seu sacrifício pessoal sem qualquer benefício para a causa dos professores.
A via difícil que aqui defendemos não depende, portanto, de iniciativas isoladas ou de voluntarismos espúrios. E também não depende da suposta liderança dos sindicatos ou dos movimentos independentes. Nenhuma organização se pode substituir à vontade manifestada pelos professores. O único papel que nós, enquanto movimento, podemos desempenhar é contribuir, dentro das nossas possibilidades limitadas, para que um efeito de contágio alastre pelo maior número possível de escolas, travando e derrubando um sistema de avaliação do desempenho que é apenas um instrumento para vergar os docentes portugueses e para infernizar ainda mais o quotidiano das escolas.
A nossa dúvida é: quantos professores estão dispostos a trilhar o caminho aqui proposto?

2 comentários:

ludbrioa disse...

15 de Novembro em debate:

http://educar.wordpress.com/

ludbrioa disse...

Fonte: http://escolapublica2.blogspot.com/


Resposta a Mário Nogueira
Relembramos aqui a Carta Aberta à FENPROF a qual obteve uma resposta pessoal da autoria de Mário Nogueira endereçada à professora Carmelinda Pereira. Esta carta obteve a seguinte resposta de que vos damos conhecimento:


Algés, 6 de Outubro de 2008


Caro colega Mário Nogueira,

Secretário -Geral da FENPROF


Agradeço a resposta à carta que tomei a iniciativa de elaborar, em conjunto com outros colegas dos três ciclos do Ensino básico, na qual expressamos a nossa profunda preocupação perante as consequências da aplicação das medidas do Governo, em matéria de educação e ensino, consequências que se abatem em todos os pilares da Escola pública e fustigam as organizações sindicais, em particular a FENPROF.

A referência feita pelo colega de que a maioria das posições expressas naquela carta são as da FENPROF, em matéria de defesa da Escola Pública, é um motivo de satisfação para todos nós, já que é indicador da unidade e da coesão da maior força sindical de docentes portugueses, uma força imprescindível na defesa dos professores e educadores, do Sistema nacional de ensino e da democracia.

No entanto, apesar desta saudável concordância, que não significa unanimidade de posições na forma de intervir, há uma questão essencial, cuja necessidade de discussão entre os membros da FENPROF, se torna incontornável.

Trata-se da assinatura do Memorando de Entendimento.

A este propósito, o colega formula um conjunto de perguntas, tendo em conta sete dos dez pontos do referido Memorando.

Quando ele foi posto à disposição de todos os docentes, para que se pronunciassem sobre ele, procurei fazer uma análise do mesmo, ponto por ponto. É a ela que agora recorro, para procurar responder às perguntas que me coloca na sua carta.

Assim, o colega explicita:


“1 - Garantir que nenhum professor contratado, avaliado este ano, ficasse desempregado ou perdesse a renovação de contrato devido à sua avaliação. Deveríamos ter evitado isso?!”


Estou de acordo que este ponto correspondeu a um recuo temporário do ME, que sempre afirmou que os professores contratados tinham que ser avaliados, mesmo que de forma simplificada, mas deixando o conteúdo dessa forma ao arbítrio da cada Conselho executivo.

Foi, de facto, um recuo imposto pela mobilização dos 100 mil docentes com os seus sindicatos e movimentos.

Não esqueçamos que foram as “grelhas” – baseadas em parâmetros arbitrários, injustos e inexequíveis – que constituíram a última gota de água que fez transbordar o copo, provocando reuniões e mobilizações espontâneas em todo o país, que culminaram histórica mobilização do dia 8 de Março, em que todos estávamos unidos: professores, sindicatos e movimentos.

Francamente, não sei se evitámos a destruição do direito a ser professor dos colegas contratados, se não foi apenas um adiamento da ofensiva…

Agora, ficaram fora escolas cerca de 40 mil colegas. Destes, agora no desemprego, por ironia do destino, quantos não terão sido, no final do passado ano lectivo, a isca para obrigar o conjunto dos docentes a aceitar este Memorando?


“2 - Garantir que as classificações negativas que este ano vierem a ser atribuídas aos professores, no âmbito da avaliação do desempenho, não terão efeitos na sua carreira. Deveriam ter?!”


Claro que não têm que ter. Por que haveriam de ter notas negativas, quando 100 mil se dispuseram a ganhar todas as reivindicações e a demitir a ministra?

Quando eram já outras figuras de credível autoridade democrática a dizer que a ministra da Educação não devia tratar daquele modo os professores?


“3 - Criar uma comissão paritária para que os Sindicatos tenham acesso a todos os documentos das escolas e do ME sobre avaliação de desempenho e possam intervir no processo, denunciando os atentados aos professores e influenciando na sua correcção. Não deveria ter sido criada?!”


Sobre este ponto, em Abril passado escrevi:

a) Em princípio, pode considerar-se positiva a existência de uma Comissão Paritária para observar a aplicação do Decreto da avaliação docente. Mas, neste caso, esta observação pressupõe a existência de regras claras e justas na aplicação do mesmo.

Não é este o caso, pois são os docentes – que têm estado a estudar a sua aplicação, de forma responsável, por ordem superior e a partir de cada escola – que afirmam ser a mesma inexequível, permitindo a parcialidade e a injustiça. (…)

c) A própria filosofia deste decreto, ligada com a autonomia do Director (de acordo com a nova gestão escolar), permitirá as maiores parcialidades, gerando um clima relacional nas escolas muito pesado, como os docentes já estão a sentir.

Como poderá a Comissão Paritária monitorizar esta aplicação sem a existência de docentes que a representem no terreno?

A existirem esses docentes – tendo já todos tanto trabalho – como irão assumir mais esta tarefa?

Em qualquer caso, as organizações sindicais integrando-se na Comissão Paritária, deverão salvaguardar a sua independência, recusando-se a assumir qualquer tarefa de ajuda a aplicar o modelo de gestão rejeitado pelos docentes.

d) Caso contrário, será o ME a dizer que o seu modelo foi aplicado com a ajuda dos sindicatos.”


Não será de facto esta situação que começa a verificar-se?

É o colega que declarou, segundo o jornal Público, de 30/09/08: «A confusão e os conflitos estão de volta às escolas, e há a possibilidade de os professores voltarem à rua». E, referindo-se aos objectivos individuais que cada escola vai ter que definir com os seus professores, nomeadamente o parâmetro que se refere ao progresso escolar dos alunos (que vale 6,5%) – um dos mais contestados –, o mesmo jornal cita de novo o colega: «A definição dos resultados para a avaliação não é mais do que uma forma de pressão do Governo sobre os professores: se querem ser mais bem classificados têm de ter cuidado com as notas que vão dar…».

E não fico espantada quando, perante estas legítimas denúncias feitas pelo colega sobre o que está a passar-se, atestando-o com centenas de queixas de docentes enviadas à FENPROF, através de e-mails, vemos o secretário de Estado, Jorge Pedreira, evocar a existência da Comissão paritária – onde, segundo este senhor, tudo corre bem – para criticar a FENPROF, que até «assinou o memorando de entendimento e aceitou a aplicação do modelo este ano, já o esteja a pôr em causa» (no mesmo jornal).


“4 - Agendar um processo negocial para alterar o modelo, que decorrerá no final do ano lectivo. Não deveria prever-se esse agendamento?!”


Será que isto quis dizer: aceitar suspender a luta dos professores, dar um ano ao ME para aplicar o decreto da avaliação, para depois da experiência feita “negociar eventuais modificações ou alterações”, como está escrito no ponto cinco do Memorando?

Mas, não é uma crueldade imensa e um desgaste louco de força anímica – tão necessária na construção do processo educativo de cada escola – sujeitar todos os nossos colegas a uma tão terrível experiência?

Nós sabemos que, ao Governo, pouco lhe importa que os professores se realizem ou não no seu trabalho, e estejam libertos de pressões para uma dedicação exclusiva ao ensino e à formação dos seus alunos. O que preocupa o Governo é o cumprimento daquilo que assumiu com todos os outros governos, no quadro da União Europeia.

Mas, nós sabemos do que estamos a falar. Uma colega dirigente do SPGL e membro do Conselho Nacional da FENPROF, com muitos anos de luta e de vida profissional afirmou no plenário do SPGL de 1 de Outubro: “Hoje a palavra-chave na Escola é a humilhação pedagógica”; e outra colega afirmou: “Estamos completamente encostados à parede; não aguento mais”.

Estamos ainda no início de Outubro. Como pode haver uma prática pedagógica, que sabemos ser de tanta exigência ao longo de todo o ano lectivo, com colegas já tão saturados e esgotados?

Mas, a exigência dos 100 mil não foram simples “alterações ou modificações”; foi a revogação de um decreto que destrói a sua vida profissional e pessoal, que parte do princípio que só um terço dos docentes poderá atingir o topo da carreira.


“5 - Já noutro plano, impor limites ao número de horas a inscrever na componente não lectiva de estabelecimento dos docentes, acabando com uma situação sem regras que, nos últimos três anos, se verificou. Não deveria haver esse limite?!


Esta pergunta diz respeito ao que está expresso no ponto sete do Memorando: “(…) Essa definição (do horário da componente não lectiva) deverá ter em conta o número de alunos, turmas e níveis atribuídos, não podendo ser inferior a 8 horas para os docentes da educação pré-escolar e 1.º ciclo do ensino básico e para os outros ciclos do ensino básico e ensino secundário, 10 horas para os docentes com menos de 100 alunos e 11 horas para os docentes com 100 ou mais alunos.”

Sobre ele escrevi, nessa altura:

“(…) Normalmente, só o tempo gasto nas aulas em directo e na sua preparação ultrapassa largamente as 35 horas oficialmente reconhecida como horário de trabalho de um funcionário público.

Por esta razão, os professores sempre têm afirmado que o aumento do horário na componente de estabelecimento escolar – quer para as aulas de substituição (no caso dos 2º e 3º ciclos e no secundário), quer nas de acompanhamento ao estudo e de supervisão (no 1º ciclo) – se tornam numa sobrecarga de várias horas extraordinárias. Essas horas extra impedem a realização de um trabalho docente responsável e de qualidade, do qual os professores não podem abdicar, ao mesmo tempo que os coloca numa situação de angústia, tal como de exaustão física e psíquica, para além dos prejuízos que daí resultam para a sua vida familiar.

Os professores defendem o fim das aulas de substituição, do acompanhamento ao estudo e da supervisão, para poderem cumprir o seu trabalho docente de forma racional.”


Não é esta exigência que temos de assumir, como princípio base de uma Escola Pública de qualidade?

Sobre estes limites de horário, que o ME teria concedido, sabem falar os colegas ao afirmar que há semanas em que saem todos os dias da escola depois das 20 horas, outras vezes ainda muito mais tarde.


“6 - Abrir perspectivas negociais, designadamente ao nível da própria estrutura da carreira, de forma a não perdemos a paridade com a carreira técnica superior da Administração Pública. Não deveremos procurar todos os meios de intervir neste âmbito para começarmos a modificar uma estrutura que criou categorias de professores?!”


É positivo que a FENPROF, em conjunto com toda a Plataforma sindical dos Professores, tenha conseguido manter o princípio da paridade da carreira docente com a carreira técnica superior da Função Pública.

Mas como será possível, a partir daqui, abrirem-se “perspectivas negociais” de modificação da estrutura da carreira? Só há uma modificação justa possível: é aquela que, todos em uníssono, reclamamos e que constituiu uma das principais palavras de ordem dos 100 mil: «Uma só categoria de professores, como nos Açores!».

Mas, admitamos que o ME deixava que se abrisse na redacção deste ponto nove do Memorando de Entendimento a perspectiva de renegociação da estrutura da carreira docente. Como se pode perspectivar tal hipótese quando, no ponto seis do mesmo Memorando, é apresentada como um facto consumado a sua divisão artificial, com a negociação sobre “a (…) abertura dos concursos para o recrutamento de professores titulares”?


“7 - Estabelecer a formação contínua de professores como aspecto integrante da componente não lectiva de estabelecimento, deixando de ser considerada, como sempre foi, como actividade pós-laboral, ou seja, cujas horas acrescem às do horário do professor. Seria preferível deixar tudo como estava ao livre arbítrio dos órgãos de gestão e do ME?!”


Sobre este ponto, escrevi no passado mês de Abril:

«Considera-se positiva esta integração da formação contínua na componente do horário não lectivo de estabelecimento.

Pela expressão “sendo deduzido à mesma durante o ano escolar a que respeita”, deve entender-se que as horas de formação que um docente tenha realizado, fora do horário normal da escola – por razões que lhe sejam impostas (como, por exemplo, formações realizadas ao sábado) – que as mesmas são descontadas no respectivo horário de estabelecimento?

A natureza do trabalho de um professor ou educador exige que este não pare de estudar, participando em acções de formação variadas, cujo calendário pode coincidir com o horário de trabalho lectivo. É o caso de congressos científicos, seminários ou círculos de estudos promovidos por instituições ligadas às áreas do docente em causa.

Os professores e educadores nunca deixaram de exigir o direito a dispor de tempos próprios para esta formação, como estava definido no ECD (antes de ser revisto), e de acordo com a Lei de Bases do Sistema Educativo, no seu artigo 35º-4.

O repor deste direito – intimamente ligado à profissão docente – torna-se uma exigência premente, em contradição com o actual ECD, que obriga a formação contínua a ser feita em horário pós-laboral, salvo formações de reconhecido interesse para toda a comunidade escolar e superiormente autorizadas.»


Onde está a liberdade de ensinar e aprender? As queixas são imensas, da parte de colegas que sempre se construíram como professores responsáveis, aumentando a sua cultura científica e pedagógica através do estudo, da participação em seminários e congressos, partilhando com outros o seu saber e os resultados das suas experiências, algumas tão ricas!

Numa época em que toda a sociedade abana – quer pela sua crise económica e social, quer pelas novas formas de aceder aos saberes e à comunicação, para o bem e para o mal – nós temos consciência de como é crucial que estes professores se assumam com todo a riqueza que transportam consigo, para ajudar toda a escola fazer uma viragem e responder às jovens gerações.

Não é um crime contra a civilização cortar as pernas a estes milhares de professores portugueses, talvez o que há de melhor na nossa sociedade e no mundo?

É minha convicção que esta liberdade de aprender e de ensinar, que foi sempre apanágio da profissão docente numa sociedade democrática, tem que ser uma das bandeiras da FENPROF e de todos quantos apostam na construção do futuro.

Como sabemos, ela nada tem a ver com a escola subordinada ao mundo dos negócios, preconizada pela União Europeia, em 1995, no seu “Livro Branco sobre a Educação e a Formação”.


Caro colega Mário Nogueira,


Em minha opinião, o conteúdo do Memorando, mesmo que tenha aqui ou ali cedências do ME, elas são feitos num ponto para se fecharem logo no que está implícito noutro ponto. Neste sentido, nada pode ser mais claro do que aquilo que está contido no seu ponto dez:

“O prazo para aplicação do primeiro procedimento, decorrente do novo regime de autonomia, gestão e administração das escolas, pode estender-se até 30 de Setembro de 2008.”


Só este último ponto mata tudo o que pudesse ter sido obtido como “ganhos”, já que ele significa a destruição, na escola, da mãe de todas as conquistas de Abril – a nossa democracia.

Sem democracia, sem liberdade de eleger os representantes dos professores para os diversos órgãos da escola, sem uma gestão democrática – aquilo que deu o rosto à Escola Portuguesa do 25 de Abril –, onde fica a alma da escola?

Foi esta monstruosidade que nos levou a escrever na nossa carta: “Em vez da liberdade, crescem o medo e as condições para emergirem os traços mais negativos que um educador combate – a prepotência e a subserviência – já que o poder ficou individualizado na pessoa de um director. Este, por sua vez, está dependente de um Conselho Geral, no qual prevalece, sobre quem tem o saber e a autoridade para ensinar e formar, o voto maioritário dos autarcas, dos pais e de outras entidades estranhas ao Ensino.”


Como última nota, na sua carta lembra que “a FENPROF apenas decidiu subscrever o Memorando quando, consultados os professores através do mais amplo processo de consulta alguma vez realizado pelo movimento sindical docente – o Dia D –, mais de 80% dos que participaram nas reuniões e plenários então realizados, percebendo o que estava em causa, se pronunciaram favoravelmente pela assinatura.”

Sim, é verdade que os resultados das votações no dia D deram uma maioria à assinatura no “Memorando de entendimento”.

Não sei quantos puderam participar, livremente, neste debate e votação. Pela minha parte, no concelho de Oeiras vi agrupamentos de escolas que conseguiram fechar por completo e disseram “Não” à assinatura; também vi o contrário, com Conselhos executivos a proibirem – sob ameaça coerciva – a realização dos plenários em horário de trabalho; e participei em plenários onde os docentes se viram sem saída, e aprovavam tanto a moção da Plataforma sindical como uma moção que pedia para que se desse mais tempo para poderem amadurecer as ideias e decidir a seguir.

Em todos os plenários se sentia o mesmo dilema dramático: como não sacrificar os colegas contratados e, ao mesmo tempo, não assinar o Memorando.

Há muitos anos, aprendi que a força dos trabalhadores – e a sua única arma – é a unidade. Se tivesse sido colocada aquele dilema aos professores em plenários, onde se pudessem concentrar aos milhares, será que eles não iriam sentir a força suficiente para dizer: “Os 7 mil contratados fazem parte dos 100 mil de 8 Março. Que ninguém ouse tocar-lhes!”?


Por outro lado, permita-me que coloque nesta carta – centrada sobre o sector ao qual ligámos as nossas vidas – o contexto em que teve lugar a manifestação de 8 de Março de 2008, aquela que marcará a História do movimento de docentes e de todo o movimento operário em Portugal.

Esta manifestação foi o ponto mais alto do conjunto das mobilizações dos trabalhadores portugueses e das populações, quer do sector público quer do privado. Lembremos as acções dos funcionários públicos, contra a Lei dos Quadros Vínculos e carreiras ou contra o regime dos “excedentários”, a mobilização a 200 mil contra o Código laboral – em frente aos chefes de Estado e de Governo da UE – e as mobilizações, um pouco por toda a parte, contra o encerramento dos serviços de saúde de proximidade.

Quando as populações de diversos concelhos se dispuseram a concentrar-se diante da AR para exigir, da maioria dos deputados do PS, a manutenção destes serviços de saúde, Sócrates apressou-se a demitir o ministro da Saúde, Correia de Campos. Foi a seguir a este recuo do Governo, que os docentes compreenderam que tinha chegado a sua hora: continuar o movimento das populações – e salvar a sua vida profissional e a escola Pública – exigindo a retirada de todos os ataques e da ministra que lhes dava corpo. Não foi este o significado dos 100 mil lenços brancos?

Se não tivesse sido assinado o Memorando, no Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, tendo como padrinhos o ministro Vieira da Silva e o Coordenador Nacional da CGTP – Carvalho da Silva, não teria acontecido a demissão da ministra?

E, com esta demissão – feita a seguir à do ministro da Saúde – não poderia ter levado uma volta, pela positiva, toda a política do Governo?


Caro colega Mário Nogueira,


Todos temos consciência de que a situação é muito grave. No plenário do SPGL de 1 de Outubro, houve colegas que disseram: “Estamos a crucificar-nos uns aos outros (…). Não aguento mais.”

É preciso ajudar os professores a dizerem, em unidade: “Não”.

Penso que, quando o fizerem, romperão na prática todo aquele Memorando, que – como o colega muito bem diz – “Não pertence à FENPROF”. Mas, se a FENPROF retirar dele a sua assinatura, não vai ajudar todos os professores a retomarem a embalagem para afirmarem, a uma só voz: “Não”?

Ao defender, com milhares de colegas, a retirada da assinatura do “Memorando de entendimento com o ME”, não tenho a pretensão de ter a verdade, nem a melhor estratégia para conseguir a unidade que todos desejamos.

De qualquer modo, estou segura que continuaremos todos juntos, no combate pelas bandeiras que são as nossas: restabelecimento da gestão democrática nas escolas; revogação do ECD; retirada da prova de candidatura; uma carreira única; retirada da prova de ingresso; vinculação de todos os colegas com trabalho precário, a suprir necessidades efectivas do Sistema de ensino; contagem de todo o tempo de serviço e aposentação, a taxa plena, ao fim de 36 anos de serviço docente.


Saudações Sindicais


Carmelinda Pereira

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