quinta-feira, 23 de julho de 2009

MITOS SOBRE O SISTEMA DE ENSINO - 6



6.º mito: A defesa da escola pública obriga a reconhecer que ela já é o melhor dos mundos possíveis


Até aqui, comentámos mitos sobretudo sustentados por comentadores de direita, mais ou menos convertidos a um ideário neoliberal ou neoconservador. Mas o actual combate dos professores também tem sido vítima de equívocos à esquerda. O mais pernicioso de todos é a ideia de que defender a escola pública equivale a admitir que os seus trinta anos de existência democrática são uma história repleta de sucessos, que não nos devemos envergonhar de tudo o que foi alcançado, que os alunos saem hoje da escola com muito mais conhecimentos e que afirmar o contrário é fazer profissão de fé reaccionária.

As ilusões piedosas da esquerda relativamente à catástrofe do ensino em Portugal são uma das variantes daquela atitude que consiste em enterrar profundamente a cabeça na areia. E em não assumir que a gritante impreparação da esmagadora maioria dos jovens à saída do secundário se deve, em grande parte, ao inferno resultante das melhores intenções igualitaristas e inclusivas que uma certa esquerda procurou introduzir, da pior maneira, no sistema educativo.

Só quem não trabalha no ensino se permite ignorar o facto de hoje a média dos adolescentes manifestar uma ignorância descontraída em relação à história remota ou recente do seu país e do restante mundo, ser incapaz de elementares operações de cálculo aritmético sem o auxílio de um qualquer substituto mecânico do cérebro, não conseguir escrever duas frases com um mínimo de inteligibilidade e de erros ortográficos, sofrer agonias para interpretar um texto com alguma densidade teórica e argumentativa. E não nos emociona por aí além o facto de muitos desses jovens terem uma perícia assinalável na manipulação de telemóveis ou na navegação cibernáutica. Essas supostas "literacias" de pouco valem se não se apoiarem na capacidade de ler, compreender e (já agora) apreciar um romance de Eça de Queirós.

É preciso explicar a uma certa esquerda que a exigência e o rigor no processo de ensino e de aprendizagem não são reaccionários, que reaccionário é fazer acreditar aos grupos sociais desfavorecidos que terão tanto sucesso escolar como os outros se forem avaliados com base em padrões de qualidade muito menos exigentes e desafiantes, que reaccionário é alimentar a ilusão de uma escola falsamente emancipadora ao permitir que crianças e jovens daqueles grupos nela ingressem sem, ao mesmo tempo, lhes serem facultados os instrumentos cognitivos indispensáveis a uma efectiva emancipação, com isso contribuindo para perpetuar as assimetrias onde se forjam as condições de uma subalternidade opressiva.

É preciso explicar a uma certa esquerda que uma escola pública genuinamente inclusiva não abdica da sua exigência, sabendo que só esta pode dotar os jovens dos meios intelectuais de emancipação social.

E é preciso explicar-lhe que não compete à escola a correcção de assimetrias sociais cujas raízes ultrapassam em muito o sistema educativo e que têm de ser combatidas dentro da escola, sim, mas sobretudo fora dela.

É preciso explicar, enfim, que a escola não é a grande panaceia, nem o supremo instrumento de um qualquer megaprocesso de engenharia social.

Exigir à escola o que ela não pode dar é contribuir para acrescentar mais frustração ao desencanto que nela se acumula em proporções crescentes.

Imagem roubada aqui

3 comentários:

Anónimo disse...

Francisco Louçã acaba de afirmar na Grande Entrevista que quer fazer maioria com alguém!

Parece que o PS já tem alguém para fazer coligação, por isso os portugueses que estejam atentos, votar PS ou o BE é tudo a mesma coisa!

António Marques disse...

Mário,
Venho aqui felicitar-te pelo pelos teus recentes textos, sempre argutos e inspiradores.
Muitos pensam que não há muito mais a fazer do que esperar passivamente pelas eleições e ver qual o rumo que a coisa toma. Nada mais errado! Penso que teremos de fazer uma entrada forte e marcar posições de forma clara logo na reentrée do ano lectivo.
Cá estarei, depois das baterias recarregadas, para esses combates.
Quero deixar-te um abraço, extensível à rapaziada da APEDE e desejar-te umas óptimas férias.
António Marques

Mário Machaqueiro disse...

Obrigado, António. Pela nossa parte, continuamos a contar contigo e com os teus magníficos trabalhos no domínio do design gráfico, que tanto têm contribuído para dar à luta dos professores um conteúdo que tenha qualidade estética.
Umas óptimas férias para ti também.

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